domingo, setembro 30, 2012

ária de desvanecimento em nuvem e nau


quando eu em ti me deito nu
e tu tão coberta de arrepios
rio e prece se entrelaçam
e na saga de mãos e pele
outra linguagem acontece

sábado, setembro 29, 2012

disdiadococinesia


à forma da árvore: distasia
à forma da nuvem: ataxia
à forma da pedra: dismetria

sexta-feira, setembro 28, 2012

À deriva na rota de angústia dos elefantes


“A minha alma persegue um naufrágio maior”
(Verlaine)

De capim e marfim são os meus dias
E as patas elevam sais de purificação
Tenho o deserto de nuvens a pacificar

quinta-feira, setembro 27, 2012

poeminha de alvíssaras e estrelas


na manhã:
o incêndio das tuas coxas

quarta-feira, setembro 26, 2012

Poeminha de decocção


Meu rosto é silêncio e sal
Nenhuma água me banha
Mas recitam-me líquidos

segunda-feira, setembro 24, 2012

Ensaio para aves astutas, assustadas com o sibilo do canto


“Temos a arte para não morrer da verdade”
Friedrich Nietzsche

Não sei por que razão coleciono
estragos, abismos, desvios
Tenho uma inata propensão ao silêncio
Quando me olham eu enrubeço
Mas na maioria das vezes sou invisível
Nunca me atraso, nunca me esqueço
Estou sempre atento, cordial, solícito
Com um interesse imediato aos afetos
Cultivo a arte de não morrer de tédio
De disfarçar a verdade com o sorriso
De oferecer possibilidade ao encontro
Afora isso não há nada de precioso,
De virtudes graves, apenas melancolia
Uma terrível e imensa melancolia

domingo, setembro 23, 2012

Para uma poética de reconforto, aço e espinho


para o poeta Jozailto Lima

A palavra vive de alvíssaras
Anunciações, epifanias
Viceja em prado

A palavra vive de súbitos
Almeja desatinos e soluça
Feito raio em trovoada

A palavra se me destina
Em sedução de ouvido
E eu rumino os sentidos
Feito boi em pasto bonito

sábado, setembro 22, 2012

poema de elevação para dias benfazejos


(um metaplagio de Vinicius)

porque hoje é sábado
e eu me encanto mais de ti
e a vastidão dos teus olhos
veste os passos de imensidão
porque hoje é sábado
e o é dia da criação
e o poeta disse que há o mar
que em vagas aqui não está
e meu verso está entrelaçado
na quimera dos teus cabelos
no anseio da tua voz
que fecunda nuvens e brisas
porque hoje é sábado
eu cultivo esta vontade de gênese
de ser teu único na asfixia dos dias

sexta-feira, setembro 21, 2012

poema para cortejo de anjos em asfixia


para os poetas parceiros Lalo e Marcantonio

hei de compor um poema
não com sílabas, palavras
mas com dentes, lâminas
gesto impuro, garra afiada

e hei de te ofertar a lágrima
mais calcificada desta face
o silêncio mútuo dos olhos
a unha puída do desenlace

quinta-feira, setembro 20, 2012

ária para olhos, rímel e vagões descarrilados



para a poeta Lara Amaral

tão quieto hoje estou
nenhum alento
o tempo me empresta
preciso ler um poema teu
para ver se medra a brisa
como a teimosia na pele
ou a seiva n’alguns olhos

insisto no ânimo na palavra
na órbita de um desejo
mas guardo-me escorpiões
tão tenazes no sangue
preciso ler um poema teu
fazer transitar os líquidos
nesta estação incorpórea

quarta-feira, setembro 19, 2012

Diálogos poéticos IV


Ária de providência para sopro de comunhão

Eu não sei como nascem os anjos
Mas acredito em epifanias
Na raiz de quimeras, alvoradas
Na saliência do silêncio
No movediço das palavras

Eu não sei como nascem os anjos
Nem mesmo sei destes espinhos
Das laminas afiadas em um corpo
Só sei do rasgo, do soluço, do grito
Do verbo que não nomeia, mas urge

inspirada neste poema
de Leonardo B. Leonardo

Um Anjo Nasce



Em certas manhãs que na medula
dum espinho
na água e no sal,
no linho
remendado no sopro das cinzas

revolvo do chão
como se fosse corpo,
o canto da terra
e então um anjo nasce.

Em certas manhãs 
e apesar das águas abruptas, tão calmas
como palavras
da palavra, da raiz o saliente silêncio
primeira comunhão

antes que se faça azul 
o dia coração
branco ou negro, cinza rosa velho baço,
devolvo insignificante, o corpo
ao nome que me já não sei

e ao mundo, e no mundo
quer eu queira, quer não
um anjo nasce.


terça-feira, setembro 18, 2012

Diálogos poéticos III


Ária para contralto azul e tenor vacilante

Procuro meu braço
Aquele de outrora
Que erguia sutilezas
E tocava peles, livros
Musgos, frios metais
A lira incandescente

Procuro meu braço
Aquele da mão
Que na xícara de então
Mergulhava a madeleine
Que ajeitava os óculos

Procuro meu braço
Memória de auroras
Que sussurram árias
Neste ouvido cansado

inspirada neste poema
de Domingos Barroso

entre a xícara e os óculos

Procuro pela casa algum objeto
que me venha dar um abraço.

Sinto falta dos abraços dos objetos
quando tonto me seguro pelas paredes.

A minha xícara sobre a mesa
silencia-se de lábio cortado.

Imagina que a desprezo depois daquele dia
em que alguém a levou à boca
e a deixou cair.

A minha xícara apartou-se
do meu coração e hoje
é apenas uma fria
cerâmica.

A minha salvação
é que tenho os óculos
que me falam ao ouvido
para erguê-los contra a luz
e tentar ver algum novo arranhão.

http://domingosbarroso.blogspot.com.br/2012/09/entre-xicara-e-os-oculos.html


* Poemas meus na revista Mallarmargens, um luxo!

http://www.mallarmargens.com/2012/09/3-poemas-de-assis-freitas.html


segunda-feira, setembro 17, 2012

Diálogos poéticos II


Outra ária para substantivos gozosos

as cigarras arrebentam
de tonto cantar,
como um blues,
uma lareira, um luar
quem viu os azulejos
quem plantou orquídeas
“que me pagará o enterro
e as flores”, poeta
“se eu me morrer de amores”

inspirada neste poema
de Daniela Delias

Azulejos


não dançamos aquele blues. nem daquele amor,
de morrer tambores arrebentando o peito,
morremos.

ontem reparei  nos azulejos.
nos respingos de tinta verde
sobre a pedra do alpendre.

pensei correio, comida, tinta de cabelo.
tão clichê morrer de amor,
e nem dançamos aquele blues.

em outubro terei orquídeas.
você viu o preço das flores? 


****

Vejam o presentaço que ganhei da querida Vais.



A memória das marcas


para Assis

A identidade impregnada nas palavras:
imagens, sons, odores
É só tocá-las
Vibram na frequência das ondas
Na aura do orbe
A cismar em mais de mil e uma alucinações
Um fio de cabelo caído na pedra
É só tocá-la
E todo código depositado:
fragrâncias, ruídos, melodias
Fatos impressos
Espaço magnetizado em captação profana
Eflúvios
Os giros dos vórtices velozmente
gerando campos carregados eletrificados
Luminosos
Invisíveis
Sentidos nos pelos
nas profundezas
Superfícies alisadas
tocadas pelas pontas
na espuma 
nos grãos
na mineralidade
nas condensações
na materialidade delirante 
da existência


http://aosabordotoque.blogspot.com.br/2012/09/a-memoria-das-marcas.html

domingo, setembro 16, 2012

Diálogos poéticos


ária de substantivos gozosos

desses últimos
pairam quandos
ruindo, ruindo
areia no mar, ar
tonta sinestesia
uma casa tomada
um filme noir

*

inspirada neste poema de Nina Rizzi

o último poema


ah, que judiação, nosso chão preferido, os melhores cinepoemas,
- tombados, tomados, igreja.

dunas. menir. ruínas.


sábado, setembro 15, 2012

poeminha em desconcerto de cobiça


Quando tu me chegas delírica
Em voluptoverso, amalgamante
Eu me treslouqueço, subirrepio
E abismabraço em languianseio

sexta-feira, setembro 14, 2012

Poeminha para lascívia do orbe


no âmago do verso
late a estrela difusa
espraiada e silente

e tu me corróis:
inconsútil
em arrebóis

quinta-feira, setembro 13, 2012

balada inominável


dos alísios que me inventam
desenho sonhos
desenho tramas e rimas
sou o vazio no oco do mundo
a poesia não me salva
mas é a maldita solução
para criar o necessário rito
de limar as agruras do tempo
o desconcerto do amor
a inquietude e todo rumor
o caminho da estrela
o rio que segue sem bússola
a balada inominável
de uma senhora da noite
não tem pressa o fim do mundo
quando o vasto corre na veia
e os sinais acendem a solidão
é somente a sede dos lábios
o sopro, o soluço de um abraço
das mãos em desafio, o fio
torto, íngreme, da lua em flor
de tudo a inutilidade sem fim
Quem me dera um pouso
Uma choupana de quimeras
Um poema cheio de etceteras
Um vaso perfumado de alecrim
Que tudo dói em mim
Que tudo dói em mim
Como a dor de uma saudade
Como um girassol amargo
Corroendo dentro de mim

quarta-feira, setembro 12, 2012

balada para nuvens em suspensão


não há nada mais leve
que o voo do pássaro:
a não ser é claro o canto

terça-feira, setembro 11, 2012

poema para descansar em teus líquidos II


não tem pressa o fim do mundo
quando me abres tuas pernas
e inundas o sol de súbitos e líquidos

segunda-feira, setembro 10, 2012

poema para descansar em teus líquidos


quando eu me julgava teu
tão fiel na imprecisa memória
da água que elevava o musgo

todo equilíbrio era um olhar
como uma seda para o lábio
e nós para acender a solidão

domingo, setembro 09, 2012

Poema para a memória oculta de um aroma


Se acende a chama do corpo
Ascende em fúria o que leio
O soluço manso da palavra

Vem o vento de um lume
Escreve à mão o que respiro
O leve suspiro da estrela

Sonho a seiva de um nome
Apetece o sabor da urgência
A imperfeição que se realiza

Há o vasto que corre na veia
Infindável lava que consome
Este sereno rosto de ausência

sábado, setembro 08, 2012

poeminha de conjunção soberana


você já me era antes de nos existirmos
hoje tudo me é conjugação de abraços
quando juntinhos nos elevamos em laço

sexta-feira, setembro 07, 2012

o desconcerto do amor e outras inquietudes


aguardo a sede dos lábios
com tuas vestes de nuvem
e nada envelhece a espera
para deitar-me em fruição
de astro e lua no teu corpo
já me és flor neste enlace
de sopro, soluço e abraço
a erguer horas sem alarde

quinta-feira, setembro 06, 2012

Poema de urgência para o tumulto da alvorada


De que secreta miragem
Viceja a árvore da manhã
Quando o lábio dá vida
Ao ventre que se excita

De que imorredouro anseio
A ubíqua e límpida luz
Traça voltas e enleio
Em teu descuidado seio

De que açoite mais pleno
Das tuas mãos em desafio
No mister lento da língua
Nasce o jorro tão intenso

quarta-feira, setembro 05, 2012

poeminha de simpatia


eu assumo:
nem preciso
me apresentar
não tenho livro
para ser lido;

a poesia que faço
mal cabe no talhe
do ciberespaço

terça-feira, setembro 04, 2012

poeminha de padecimento


sofro de uma inutilidade sem fim
nenhuma palavra me salva

segunda-feira, setembro 03, 2012

Sopro de árvore frondosa e língua misteriosa


Oh poeta augusto, verso singular
De logro vivo eu, em rogo
Oh tão sutil abismar-se
Quem me dera um pouso
Uma choupana de quimeras
Um poema cheio de etceteras
Um vaso perfumado de alecrim
Que dói em mim/Que dói em mim
A carne virginal de uma palavra

domingo, setembro 02, 2012

poeminha de cão danado


a minha saudade é um girassol amargo
a saliva de sol poente
este agosto aziago no dente 

sábado, setembro 01, 2012

sonata para uma chuva em olhos pequenos


em qualquer espaço
no orbe, na via láctea
em qualquer lugar

nos poros, nos polos
na língua equidistante
na pele nova da nuvem

amor é muito pouco
não cabe na dimensão
de palavra alguma