sexta-feira, agosto 30, 2013

Por que você escreve poesia?

(à guisa de um metaplagio de Orhan Pamuk)

Porque eu cresci lendo poesia
Porque não consigo me relacionar com o mundo de outra maneira
Porque acho encantador enfeitiçar palavras
Porque um dia me disseram que eu era poeta
Por que eu acredito que posso ser poeta
Porque meus amigos são poetas
Porque o verso atiça a minha curiosidade
Porque a curiosidade me leva às palavras
Porque o mundo pode respirar melhor
Porque eu posso respirar melhor
Porque eu me imponho leituras
Porque eu me repito e a poesia aceita
Porque é uma forma de amar as pessoas
Porque é uma forma de eu atrair o amor
Porque um poema me fez descobrir o amor
Porque há um vazio que não me cabe
Porque há uma ausência a se descortinar
Porque o silêncio soluça com o verbo
Porque o verbo é a minha carne que arde

quinta-feira, agosto 29, 2013

Litania para a graça de uma Gioconda

Eu vislumbro o tygre de blake
Num acorde furioso de beethoven
A solidão é mesmo um coice
Atiça todos os raios de rimbaud
Ainda não deu meia-noite e já
Me rugem fantasmas da aurora
Só teu rosto me salva do degredo
Do abismo aberto de mim mesmo

terça-feira, agosto 27, 2013

todos os rostos, o rosto

eu procuraria na rota do vento
a silhueta mais sutil do pássaro
entrementes devoraria a saliva
na sílaba luminosa de uns lábios

eu procuraria em todos rostos
atormentado, atônito, aturdido
com esta balbúrdia de olhares
do ser que navega para o nada

eu invocaria o silêncio mais impuro
para compor a ausência longínqua
até reverdecer todas as palavras
no cardume de nuvens desta tarde

domingo, agosto 25, 2013

Sobre inércias, inutilidades e afins

Não te negues aos silêncios
A este ar que atiça a face
Que cuido das ausências
Deste incessante partir
Que me queima os olhos

sexta-feira, agosto 23, 2013

Um poeminha para medrar reticências

p/ Laryssa Cagliato

Eu não sei se te pensaria num poema
Mergulho, olhos bruscos, precipício
Sei apenas que estou sozinho na tua pele
Como uma sílaba atônita e desavisada
Com essa urgência de me nutrir do singular


quinta-feira, agosto 22, 2013

Poema de intentos para descortinar altiplanos

Eu hoje acordei leve para o espanto
Cultivo arrebóis, levanto pálpebras
Vejo a minha sombra numa pedra
Viajo entre afagos de brilho líquido
Sinto a ternura que me arde as mãos
Estou excessivo, imediato, cromático
O caminho me persegue de vontades
Tão ardente me ruge o mar de sílabas

terça-feira, agosto 20, 2013

Carrego esta perdição na palavra

Sou poeta impróprio para consumo
Meus poemas são pedaços de pele
Que se queimam em busca de alforria

segunda-feira, agosto 19, 2013

Uma ária de amanhecimento em elevação

Desperto para alimentar os leões
Com meu alforje de orvalhos
Tão famintos eles de silêncios
Imploram a ausência nos olhos
Desperto para alimentar os leões
Enquanto cultivas pássaros no arrebol

sexta-feira, agosto 16, 2013

Canção líquida para afago de ninfa

Eu sempre pensei em fazer um poema
Onde coubessem ciprestes
Ou algumas plantas pteridófitas
Um poema com raiz, caule e folhas
Poema que ficasse ornado no corpo
Na marca úmida de um lábio
Como o protalo gerando gametas

quinta-feira, agosto 15, 2013

Epigrama para oferenda votiva

Comungo esta inutilidade da palavra
Este exercício frágil do amor
Cada sílaba que se que-bra:
Da ausência que arde
Na carne lacerada

terça-feira, agosto 13, 2013

Poema para janela que se tingiu de violeta

Não fosse de ti este áspero rio
Que deságua em minhas veias
A sombra da terra que emoldura
De emblemas os meus passos

Não fosse de ti o rubro da mão
Este acolhimento de vento e brisa
O incêndio transparente da face
Este augúrio que trazes no lábio

Não fosse de ti o singelo do mar
O desavisado cursar das velas
Esta geografia de circunstâncias
A cartografia íntima de um corpo



segunda-feira, agosto 12, 2013

A última lágrima de Capitu

Desde o tempo em que não existias
Já me eras a inalcançável estrela
Aquele rasgo no céu

Tu bem sabes que não existias
Nem mesmo no poema
Como uma palavra condenada
Também não me vinhas

Desde o tempo em que não existias
Contemplo aquele quadro de Monet
Pejado de nenúfares

Desde o tempo em que não existias
Compartilho este destino de águas
Aprisionadas em faces de pedra

sábado, agosto 10, 2013

Uma balada gris para tantos descaminhos

Eu nunca soube que falavas de mim
Entre os teus silêncios de ninfa
Eu nunca soube
Nem mesmo quando escovavas
Sílabas em teus cabelos
Eu nunca soube
E nesta minha ignorância de te amar
Eu nunca soube
Que prendias o ar nas retinas
E soletravas um alfabeto de distâncias
Eu nunca soube

quinta-feira, agosto 08, 2013

haikai enfim

num rasgo de promessa
queimo o último poema
na fruição deste silêncio

terça-feira, agosto 06, 2013

Fragmento para o ressoar de transparências

O rumor de uma palavra me desperta
Acordo viço
Numa terna alegria de desconhecimento

domingo, agosto 04, 2013

Antipoema para cerzir ventanias

Não quero efusividades
Nem agasalho para minha dor
Só os gatos são pardos
E transitam insones na aurora
Não quero efusividades
São tantas as febres deste parto
Só os gatos são pardos
Não me atire este sorriso de Gioconda
Que desliza entre arrebóis
São meus pés que cultivam tua sede
Mas um dia eu me morro sem mágoa
Convicto da minha inexistência

sexta-feira, agosto 02, 2013

O homem que tramava epifanias

Magritte não pintava pássaros
Ele apenas queria elevar as coisas
Ao status de asas:
Compunha cores em rotas de elevação