sexta-feira, julho 31, 2009

Em cada post o silêncio

Achava bonito o retrato na parede emoldurando o silencio do quarto.

terça-feira, julho 21, 2009

AS ESCOLHAS QUE EU ME FIZ E AS ESCOLHAS QUE ME FIZERAM

VEM!

Não me deixa sozinho,
catavento à mercê de um vento frio.
Vem
encher com teu corpo de moça
o vazio, o imenso vazio...
Vem
apagar toda esta dança de luzes
luzes loucas, loucamente piscando
na cidade escura dos meus pensamentos!
Vem, depressa, vem
abrigar o meu impulso de fim
como um rei entre as tuas coxas
ou trazer nos lábios o esquecimento
das coisas que eu desconheço
mas são brasas
aprisionadas dentro do meu cérebro.
Vem
empurrar com a carícia de tuas mãos
esta noite estranha que cresce, que cresce...

Moacyr Félix

sexta-feira, julho 17, 2009

minueto

havia teu nome tão feliz
em paz com as cascatas
de palavras
o assovio nesta
ou naquela curva

de repente
árias inquietas e insones
bulício de asas atonitas
e fiquei com esse teu nome
marcando-me o centro
feito uma flecha atravessada

esta dor que nunca passa

quinta-feira, julho 16, 2009

AS ESCOLHAS QUE EU ME FIZ E AS ESCOLHAS QUE ME FIZERAM

Abdicação

Toma-me, ó noite eterna, nos teus braços
E chama-me teu filho.
Eu sou um rei
que voluntariamente abandonei
O meu trono de sonhos e cansaços.
Minha espada, pesada a braços lassos,
Em mão viris e calmas entreguei;
E meu cetro e coroa — eu os deixei
Na antecâmara, feitos em pedaços
Minha cota de malha, tão inútil,
Minhas esporas de um tinir tão fútil,
Deixei-as pela fria escadaria.
Despi a realeza, corpo e alma,
E regressei à noite antiga e calma
Como a paisagem ao morrer do dia.

Fernando Pessoa

sexta-feira, julho 03, 2009

AS ESCOLHAS QUE EU ME FIZ E AS ESCOLHAS QUE ME FIZERAM

ESCOLHAS LITERÁRIAS
Murilo Rubião, Dalton Trevisan e Ricardo Ramos. Três contistas e três outsiders. A literatura como exercício de respiração, a qualquer momento o colapso. Quando o fôlego começar a faltar, continue.

Circuito Fechado
Ricardo Ramos

Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, água, espuma, creme de barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina, sabonete, água fria, água quente, toalha. Creme para cabelo, pente. Cueca, camisa, abotoaduras, calça, meias, sapatos, telefone, agenda, copo com lápis, caneta, blocos de notas, espátula, pastas, caixa de entrada, de saída, vaso com plantas, quadros, papéis, cigarro, fósforo. Bandeja, xícara pequena. Cigarro e fósforo. Papéis, telefone, relatórios, cartas, notas, vales, cheques, memorandos, bilhetes, telefone, papéis. Relógio. Mesa, cavalete, cinzeiros, cadeiras, esboços de anúncios, fotos, cigarro, fósforo, bloco de papel, caneta, projetos de filmes, xícara, cartaz, lápis, cigarro, fósforo, quadro-negro, giz, papel. Mictório, pia, água. Táxi. Mesa, toalha, cadeiras, copos, pratos, talheres, garrafa, guardanapo. xícara. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Escova de dentes, pasta, água. Mesa e poltrona, papéis, telefone, revista, copo de papel, cigarro, fósforo, telefone interno, gravata, paletó. Carteira, níqueis, documentos, caneta, chaves, lenço, relógio, maço de cigarros, caixa de fósforos. Jornal. Mesa, cadeiras, xícara e pires, prato, bule, talheres, guardanapos. Quadros. Pasta, carro. Cigarro, fósforo. Mesa e poltrona, cadeira, cinzeiro, papéis, externo, papéis, prova de anúncio, caneta e papel, relógio, papel, pasta, cigarro, fósforo, papel e caneta, telefone, caneta e papel, telefone, papéis, folheto, xícara, jornal, cigarro, fósforo, papel e caneta. Carro. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Paletó, gravata. Poltrona, copo, revista. Quadros. Mesa, cadeiras, pratos, talheres, copos, guardanapos. Xícaras, cigarro e fósforo. Poltrona, livro. Cigarro e fósforo. Televisor, poltrona. Cigarro e fósforo. Abotoaduras, camisa, sapatos, meias, calça, cueca, pijama, espuma, água. Chinelos. Coberta, cama, travesseiro.

A LUA
Murilo Rubião

Nem luz, nem luar. O céu e as ruas permaneciam escuras, prejudicando de certo modo, os meus desígnios. Sólida, porém, era a minha paciência e eu nada fazia senão vigiar os passos de Cris. Todas as noites, após o jantar, esperava-o encostado ao muro da sua residência, despreocupado em esconder-me ou tomar qualquer precaução para fugir aos seus olhos, pois nunca se inquietava com o que poderia estar se passando em torno dele. A profunda escuridão que nos cercava e a rapidez com que, ao sair de casa, ganhava o passeio, jamais me permitiram ver-lhe a fisionomia. Resoluto, avançava pela calçada, como se tivesse um lugar certo para ir. Pouco a pouco, os seus movimentos tornavam-se lentos e indecisos, desmentindo-lhe a determinação anterior. Acompanhava-o com dificuldade. Sombras maliciosas e traiçoeiras vinham ao meu encontro, forçando-me a enervantes recuos. O invisível andava pelas minhas mãos, enquanto Cris, sereno e desembaraçado, locomovia-se facilmente. Não parasse ele repetidas vezes, impossível seria a minha tarefa. Quando vislumbrava seu vulto, depois de tê-lo perdido por momentos, encontrava-o agachado, enchendo os bolsos internos com coisas impossíveis de serem distinguidas de longe.
Bem monótono era segui-lo sempre pelos mesmos caminhos. Principalmente por não o ver entrar em algum edifício, conversar com amigos ou mulheres. Nem ao menos cumprimentava um conhecido.
Na volta, de madrugada, Cris ia retirando de dentro do paletó os objetos que colhera na ida e, um a um, jogava-os fora. Tinha a impressão de que os examinara com ternura antes de livrar-se deles.
Alguns meses decorridos, os seus passeios obedeciam ainda a uma regularidade constante. Sim, invariável era o trajeto seguido por Cris, não obstante a aparente falta de rumo com que caminhava. Partindo da sua casa, descia dez quarteirões em frente, virando na segunda avenida do percurso. Dali andava pequeno trecho, enveredando imediatamente por uma rua tortuosa e estreita. Quinze minutos depois atingia a zona suburbana da cidade, onde os prédios eram raros e sujos. Somente estacava ao deparar uma casa de armarinho, em cuja vitrina, forrada de papel crepom, encontrava-se permanentemente exposta uma pobre boneca. Tinha os olhos azuis, um sorriso de massa.
Uma noite - já me acostumara ao negro da noite - constatei, ligeiramente surpreendido, que os seus passos não nos conduziriam pelo itinerário da véspera. (Havia algo que ainda não amadurecera o suficiente para sofrer tão súbita ruptura.)
Nesse dia, o andar firme, seguiu em linha reta, evitando as ruas transversais, pelas quais passava sem se deter. Atravessou o centro urbano, deixou para trás a avenida em que se localizava o comércio atacadista. Apenas se demorou uma vez - assim mesmo momentaneamente - defronte a um cinema, no qual os meninos de outros tempos assistiam filmes em série. Fez menção de comprar entrada, o que deveras me alarmou. Contudo, sua indecisão foi breve e prosseguiu a caminhada. Enfiou-se pela rua do meretrício, parando a espaços, diante dos portões, espiando pelas janelas, quase todas muito próximas do solo.
Em frente a uma casa baixa, a única da cidade que aparecia iluminada, estacionou hesitante. Tive a intuição de que aquele seria o instante preciso, pois se Cris retrocedesse, não lograria outra oportunidade. Corri para seu lado e, sacando do punhal, mergulhei-o nas suas costas. Sem um gemido e o mais leve estertor, caiu no chão. Do seu corpo magro saiu a lua. Uma meretriz que passava, talvez movida por impensado gesto, agarrou-a nas mãos, enquanto uma garoa de prata cobria as roupas do morto. A mulher, vendo o que sustinha entre os dedos, se desfez num pranto convulsivo. Abandonando a lua, que foi varando o espaço, ela escondeu a face no meu ombro. Afastei-a de mim, e, abaixando-me, contemplei o rosto de Cris. Um rosto infantil, os olhos azuis. O sorriso de massa.

111 AIS
Dalton Trevisan

“- Dois amigos tinham bronca de um traficante e me pediram o revólver emprestado pra apagar o cara. Tudo bem eu disse. Desde que dê o primeiro tiro. E dei, pimba! no olho azul. Ou era verde?”