segunda-feira, novembro 23, 2009

as escolhas que eu me fiz e as escolhas que me fizeram

Minha memória e alguns filmes

O primeiro que me vem é A Comilança, acho que de Mário Monicelli, que tem, claro, Marcelo Mastroianni e, também, Ugo Tognazzi. Uma mistura voraz de gastronomia e sexo com um desfecho surpreendente. Afogando em Números de Peter Greenaway, engraçado não lembro exatamente o roteiro, virou uma obsessão para tentar localizar a numeração de cada cena. Cinema e jogo de xadrez. Ana e os Lobos de Carlos Saura com Geraldine Chaplin, inocência e luxúria. Visualizo o rosto da protagonista, agora, delicadamente.

Repulsa ao Sexo (Polanski) traz uma Catherine Deneuve absolutamente linda e a cena em que brotam mãos das paredes está eternizada. Zabriskie Point, de Antonionni, mistura a música do Pink Floyd com explosões em câmera lenta, corpos nus rolando nas dunas, pura psicodelia. Com muito custo, de tempo, um amigo me conseguiu uma cópia na internet e eu pude revê-lo. Mimi, o metalúrgico de Lina Wertmüller, com Giancarlo Gianinni, um puta ator que está impagável tentando conquistar uma matrona para se vingar da traição da mulher. Acho que é isso, e tudo o mais subjacente que a comédia sombreia do conteúdo político.
Dois filmes em que eu vejo similitudes: Kagemusha (Kurosawa) e O enigma de Kasper Hauser (Herzog). Dois protagonistas tentando encontrar a própria identidade, e dois mestres do cinema que abusam da fotografia, um mais sombrio o outro com paisagens abertas, mas ambos com desertos existenciais medonhos.
Outro filme que trilha a busca existencial através da memória é Amor, estranho amor (Walter Hugo Khoury). Ficou desvirtuado pela presença de uma futura celebridade, que na verdade era apenas acessório, adereço, na história. Tem o ator quase alterego do Khoury que eu não lembro o nome, interpretando o narrador-protagonista. Filme de nostalgia, daqueles que dão saudade do que fomos nós.
Para concluir essa pequena reminiscência outros dois filmes encantadores. Lições de vida, a primeira história de Contos de Nova York dirigida por Scorcese, com o gigante Nick Nolte, perfeito na interpretação do artista plástico, e a despudoramente sedutora Rosana Arquete. É uma aula de como fazer cinema com abusos magistrais de câmera lenta, fade-out, fade-in e uma trilha sonora de arrepiar que vai de Like Rolling Stone (Dylan), solo de violão de Django Reinhardt e um Pavarotti avassalador. Tenho uma cópia do filme, uma cópia da trilha sonora e sempre que possível insisto para os amigos assistirem. O desejo por uma mulher que nos consome, e pela qual nós pobres homens mortais enfrentamos o inferno com vigor e o paraíso com fervor.
E por fim, mais desejo, mais mulheres e atrizes duplicadas. Evidente que só podia partir de Buñuel e o seu Obscuro objeto do desejo. Assisti a duas sessões contínuas na primeira vez, queria ter certeza do que estava vendo. Depois vieram as elucubrações sobre a presença de duas atrizes para interpretar a mesma personagem, por sinal ambas lindíssimas. Fizemos até um grupo de estudo para dissecar a obra do Buñuel. E eis que depois de algum tempo ele revela que simplesmente já tinha gravado parte do filme com uma atriz e houve um desentendimento. Aí ele contratou outra e continuou o filme. Eu não acredito nem a pau nessa história do diretor. Para mim ele criou outra ficção, outro filme ao engendrar esse novo enredo. Vocês me entendem, não.

sexta-feira, novembro 20, 2009

madrigal de amantes

inspirado em poema da Nina Rizzi

quando finda o tempo de nós dois
dez mil sóis se ninam em orgasmo
fecundam perguntas sem respostas
fica esse visgo na pele do teu pasto

quando finda o tempo de nós dois
formam laços agridoces na solidão
o céu desaba jasmins domesticados
e tudo plasma o espanto do agora


*retirado de mileumpoemas.blogspot.com

quarta-feira, novembro 11, 2009

Mosaico

colei migalhas na minha língua
à espera do vaticínio do beijo
que talvez viesse,

colei migalhas nestas palavras
à espera do vaticínio do verso
que talvez alumbrasse,

colei também esta paisagem branca
como fundo de um retrato atônito
que talvez cegasse.

quinta-feira, novembro 05, 2009

canção de enganar o vento II *

eu bem te disse que havia desvios
e nem todo caminho leva ou conduz
que as flores na ribanceira pendem
se ruflam e se riem daquele abismo

eu bem te disse pequenas verdades
tolas todas em formato de petiscos
embrulhadas em papel fino e barato
feito sortilégios de alguma cigana

eu bem te disse e fiz disso oferenda
como esse corpo vazio que se esquece
esse destino sem rotas, sem bússola
o tropego desafio de querer resistir

eu te disse quase tudo que já sabias
e lancei ancora neste terno desterro
valseando em velas e quilhas e portos
sendo relâmpago inútil do que é pouco

* retirado de mileumpoemas.blogspot.com