domingo, dezembro 29, 2013

Sonata breve “à l'après-midi d'un faune”

Não falará de mim o teu amor
Ainda que o delgado beije o lábio
Ainda que cintilem eflúvios de pele

Não falará de mim o teu amor
Ainda que as circunstâncias queimem
Ainda que rabisquem de cio as nuvens

Não falará de mim o teu amor
Nem mesmo quando o viço do silêncio
Fizer floração nesta estação de ternura

sexta-feira, dezembro 27, 2013

fragmento para dulcinéia XX

no dia que vogarem meus pés
minha senhora
por sobre o silêncio do mar
não haverá abismo que me salve de ti

fragmento para dulcinéia XIX

deixa-me acariciar teu soluço
minha senhora
tecer o arrebol de esperas
com tua caligrafia de espinhos

fragmento para dulcinéia XVIII

há uma desventura nos meus ossos
minha senhora
uma cortina de líquidos no olhar
sofro a véspera de te fazer amanhecer


fragmento para dulcinéia XVII

já tive meu quinhão de nuvens
minha senhora
agora me destino às pedras
estou apegado a um silêncio sólido

fragmento para dulcinéia XVI

não cabe na língua tanta paixão
minha senhora
escavei meu peito até a incompletude
agora uma flor me pulsa nas veias

fragmento para dulcinéia XV

és a substância dos anelos
minha senhora
toda a avidez do singelo
por ti intempéries hei de cativar

fragmento para dulcinéia XIV

eu vivo com este enigma
minha senhora
de te fazer miragem
no silêncio dos meus olhos

fragmento para dulcinéia XIII

eu não sabia de onde vinhas
minha senhora
até o destino me por na estrada
com este visgo do inalcançável 

fragmento para dulcinéia XII

não há rocio que me assombre os passos
minha senhora
debruço-me em teus eflúvios
deixa-me ser líquido para teu rio

fragmento para dulcinéia XI

circulam teus ares nos meus passos
minha senhora
desfolho estrelas em solidão
padeço assim de amanhecimentos


terça-feira, dezembro 24, 2013

um poema para as circunstâncias do vento

quando jovem
eu azulejava asas
envernizava ninhos
mas o tempo
me deu outros cultivos

vendo vidro e laço
desperto ventanias
sou irmão de pedras

as árvores me cortejam
como se eu fosse nuvem
e aprendi ler a sorte
com répteis escamados

arcanjo sem trombeta
teço epifanias
sob este sol profano


quarta-feira, dezembro 18, 2013

Se eu não tivesse morrido de amor por ti



Eram antigos dons de fada
Fazer nascer arco-íris
Alumiar jirau e estrado
Tu me foste assim
Quando da tua pele corria néctar
E dos meus olhos corroídos
Fizeste uma caixa de madrepérolas

terça-feira, dezembro 10, 2013

fragmentos para dulcinéia

fragmento para dulcinéia X

meus ossos se inflamam
minha senhora
há um veio de chamas
a correr insone por eles

fragmento para dulcinéia IX

de fidalguias construo um reino
minha senhora
assim como quem cultivasse
orquídeas no mais fino arrebol


fragmento para dulcinéia VIII

tua água que me banha
minha senhora
não transborda líquido
eu me afogo em teu olvido


fragmento para dulcinéia VII

eu fico mudo de imagens
minha senhora
cai o mundo em desvelo
quando sinto o teu cheiro

fragmento para dulcinéia VI

minha sede, minha fome
minha senhora
são teus olhos de sabiá
e o meu vazio teu soslaio

fragmento para dulcinéia V

para tantas ilhas prometidas
minha senhora
meus remos se arriscam
por rumo tenho o arco-íris

fragmento para dulcinéia IV

com um novelo de nadas
minha senhora
eu remendo girassóis
na tarde do nunca mais

fragmento para dulcinéia III

na palavra eu te esquartejo
minha senhora
por ti gorjeio, solfejo
quiçá um dia adejo

fragmento para dulcinéia II

estou cego para caminhos
minha senhora
e estes dragões azuis
me consomem o peito
  
fragmento para dulcinéia

na hora que eu fui embora
minha senhora
ventou aflição de moinho
no meu passo rocinante

terça-feira, dezembro 03, 2013

Oração para o corpo numa tarde de ausência

Eu velo pelas tuas espáduas
Neste ângulo em que os cabelos
- Como a galgar escarpas -
Deixam a nuca a descoberto
Ali onde se cravam dentes
E a língua passeia silente

Eu velo pelos teus seios
Pelo halo, pela auréola
Onde deposito a vertigem
Úmida do meu deleite

Eu velo pelas tuas coxas
Que se rasgam em arrepio
No macio da sinfonia
De carnes entrelaçadas

Eu velo pelo teu sexo
Que se intumesce
Da saliva adocicada
Deste cítrico que inflama
Desta flor em chamas
Em tua vulva, amada
No mergulho da espada