quarta-feira, outubro 09, 2013

Poeminha para um diálogo com a Helena


Missivas à espera de remetente

Carta 1

O amor é esse bicho doido que você plantou dentro de mim. Eu disse que não queria, que não podia, mas foi tanta insistência que acabei sucumbindo. Agora estou aqui com poemas por toda a casa, o som no volume máximo ouvindo Marisa Monte, com todas essas esquisitices de um ser apaixonado. Não, não me diga que tudo isso passa. Não passa. Olha o que eu escrevi:

Essa coisa que aconteceu entre a gente
Incontinente: acho que foi ist(m)o

Vou ver as ruas, quem sabe o ar poluído me recupere de tuas purezas, dessa leveza que imantas nos gestos e nas palavras. Por enquanto hoje é sábado, neste calendário corroído de pretéritos. Te beijo com esta ânsia de tempestades.


Assis Freitas

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Imensa Sorte

Lágrimas, uma sopa de lágrimas, ela prepara sem descascar uma cebola. Devagar, colher de pau girando a água na panela, vai engrossando o caldo. Lembranças, remorsos, impotência. Os três se misturando em quantidades impossíveis de mensurar. De vez em quando, uma pitada de incompreensão outra de desamparo são lançadas como quem lança um monólito no infinito e se surpreende diante do fogo que chama e queima dedos descuidados. Dedos finos, de unhas roídas, raladas pela ansiedade que zune nos ouvidos e abafa os apitos da chaleira e dos trens da infância e também o último silvo do guarda noturno em sua ronda incompatível com as nuances da cidade de vivos, mortos e indefinidos, espécie de temperos insonsos e incapazes de fazer diferença seja em um prato quente ou frio, na sobremesa ou no cafezinho servido puro, forte, amargo, e servido com ojeriza profunda aos paraísos artificiais do aspartame ou do açúcar que caria a alma e cobre de gordura a cozinha, a xícara e a verdade de que seria uma sorte se a sopa fosse de pedra.

Helena Terra

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